terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Um Conto!

Céu de estrelas


Eu caminhava entre as cruzes enfincadas no leito dos que já foram, eu não tenho medo dos que já foram.

Tenho medo dos que ficaram.

E bem me lembro que não tinha prazer por andar por ali, nem se cortava caminho, mas era mais seguro, caminhava 1 hora durante a madrugada do meu trabalho até o quarto de aluguel no suburbio da cidade, no caminho durante a madrugada encontrava apenas moradores de rua, viciados, cachorros perdidos, ladrões e alguns policiais.

Eu não tinha nada de valor para se levar, além da minha vida eu tinha as roupas do corpo, uniforme de porteiro do hotel Paradise Gardens, um 2 estrelas que fica ao lado de uma boate no centro, lá os hospedes não são turistas, são homens casados que fogem da rotina com amantes, prostitutas, e menores que saem da balada e não podem entrar no motel, então eles subornam o gerente.

Eu não tenho medo de nenhum deles e nem de perder nada, só que todos os dias eu aumentava um pouco o percurso pulava o muro do cemiterio e saio do outro lado, sem passar pelo centro velho da cidade, aquele lugar me cheirava a maldição.

Logo na primeira semana que vim para cá, fui me alojar em um albergue por ali, e prometi que não voltaria tão cedo aqueles lados. Assim que recebi a confirmação da minha vaga no hotel, já tratei de procurar um quarto para dormir.

Essa foi a única vaga de emprego na cidade toda que me aceitou, pessoa sem certidão de nascimento, sem moradia fixa, mal sei ler e escrever.

O emprego é das 20 até as 4 horas da manhã, chego em casa ainda de noite para dormir, se é que posso chamar um quartinho no fundo dos fundos de uma casa.

A família que me aceitou cobra um aluguel de 150 reais por mês.

Eles são evangélicos, talvez por isso que eles tenham me aceitado, sem ao menos me conhecer. Eu li sobre o quarto no jornal do bairro, um jornalzinho que distribui exemplares na porta dos hotéis.

Antes de conquistar o pouco que tenho, eu me contentaria com qualquer coisa, para quem não tem nada qualquer fio de cabelo já é um tesouro.

Mas em 1 ano de trabalho eu não aguento mais essa rotina e nem essa condição de vida, as coisas foram se degastando, não aguento mais escutar a dona da casa nas manhas de domingo cantando suas músicas gospel, não aguento os clientes bebados do hotel, e não aguento mais a falta de perspectiva de futuro que tenho, em um ano de trabalho não vejo chance de mudança positiva, não consegui juntar em um ano mais do que 1 aluguel, e só possuo uma barriga faminta e as roupas do corpo. Nenhum luxo, nenhuma companhia, nenhum lazer. Comecei a ir embora para casa pelos caminhos mais perigosos e os que me davam mais medo só para sentir um pouco de emoção, mas com o tempo até o meu medo passou, e eu passei a me acostumar com ele também.

Desde então a vida perdeu a graça, eu comecei a faltar no trabalho, comecei a dormir no cemiterio e acordar com o a luz do Sol, praticamente parei de comer e beber, as roupas do corpo foram ficando velhas, fui adquirindo amigos que só existiam no meu pensamento.

E dentro de mim eu fui criando um novo mundo, para substituir o mundo lá de fora que eu não consegui entender, hoje eu caminho sem responsabilidades e sem preocupações, os horários não me importam mais, e nenhum conhecido veio me procurar no meu novo mundo.

No meu novo mundo, a minha casa é tão enorme que o céu são as estrelas.No meu novo mundo, a minha casa é tão enorme que o céu são as estrelas.

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